Vistos. LTJ ajuizou a presente ação em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, alegando que foi preso em 2 de janeiro de 2007, e depois denunciado por infração ao artigo 157, § 2º, incisos I e II do Código Penal, juntamente com outros dois rapazes, constando do inquérito que teria concorrido para o crime, ajustando-se previamente com os executores e fornecendo-lhes apoio moral e material, ao aguardá-los em um carro, do lado de fora do local do delito, para lhes dar fuga. Ao final do processo foi absolvido por insuficiência de provas. Afirma que, logo depois da prisão, seu advogado pleiteou sua liberdade provisória, postulação essa que o juiz indeferiu, com fundamentação inidônea, calcada em meras referências à gravidade genérica do delito e ao clamor social, e a despeito de ser ele, autor, primário, e possuir residência fixa. Designou-se então audiência para interrogatório, à qual apenas ele compareceu, embora tendo sofrido ameaças por não ter aderido à chamada “greve branca”, movimento carcerário organizado pela facção criminosa PCC. Nessa oportunidade, o juiz decretou a revelia dos corréus. O advogado dele, autor, reiterou o pedido de liberdade provisória, que o magistrado de novo indeferiu, com base em premissa equivocada, qual seja, a de que o excesso de prazo na instrução decorreu de adesão dele ao movimento carcerário de insurgência. Novo pedido de liberdade provisória foi deduzido e indeferido pelo magistrado, depois da colheita da prova acusatória, muito embora tal prova tivesse sido favorável a ele, autor, desfazendo os indícios de que participara do delito. Impetrada nova ordem de “habeas corpus”, foi concedida, por se reconhecer que “a ameaça à ordem pública, como pressuposto que autoriza prisão preventiva (CPP, art. 312), deve ser demonstrada de forma consistente no decreto prisional, não sendo suficiente o juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito”, concluindo-se ter havido, no decreto prisional, vício de fundamentação. Sustenta que os indeferimentos dos pedidos de liberdade provisória e habeas corpus perpetrados, depois da oitiva de testemunhas na fase inquisitiva e na fase judicial, bem como, do interrogatório dos outros réus, apontam para a ocorrência de erro judiciário, vislumbrando-se o ato ilícito não em decorrência de sua prisão, mas sim de sua permanência indevida no cárcere, por prazo excessivo (mais de um ano), e mesmo após as provas colhidas lhe haverem sido expressamente favoráveis. Afirma ter sofrido dano moral, pela injusta privação de sua liberdade, repercussão social de sua prisão, perda de amigos, atraso na faculdade, e frustração de planos pessoais. Postula a condenação do réu a indenizá-lo por tais danos, bem como, a lhe pagar também indenização por danos materiais, esses consistentes na bolsa mensal de R$500,00 que deixou de receber nos meses em que ficou sem trabalhar; perda do dinheiro que sua mãe gastou com sua matrícula no curso de Administração; gastos com dentista, uma vez que perdeu os dentes; gastos com correio e remédios (fls. 2/31). Juntou documentos (fls. 33/171). Citada, a ré ofertou contestação, afirmando que os fatos narrados pelo autor não caracterizam erro judiciário, nem falha na prestação do serviço público. Sustenta que o autor foi preso em vista das provas existentes contra si e dos elementos de convicção existentes, e depois, regularmente processado, tendo-lhe sido assegurada ampla defesa, não havendo falar em responsabilidade civil do Estado pelo fato de haver sido depois absolvido, por insuficiência de provas. Colacionou julgados em respaldo de sua tese, realçando que os atos judiciais não podem ser levados na conta de erro judiciário, quando condenam e depois absolvem os réus, especialmente quando isso se dá por insuficiência de provas, bem como que, em termos de atos legislativos e judiciais, não se aplica a regra da responsabilidade objetiva, por serem agentes políticos, membros de poderes do Estado, e não servidores da Administração. Invocou ainda a tese do exercício regular de direito. Impugnou a pretensão a ressarcimento de tratamento odontológico, argumentando que não se demonstrou a relação deste com o tempo em que o autor ficou aprisionado; as prescrições médicas, por não haver prova de que os medicamentos nelas descritos tenham sido adquiridos; a pretensão ao reembolso de despesas escolares e de correio, com o argumento de haver sido justa a prisão. Refutou a ocorrência de dano moral, mas, para o caso de eventual condenação, postulou moderação, para que não haja enriquecimento ilícito do demandante (fls. 189/197). Manifestou-se o autor sobre a contestação, reafirmando suas teses (fls. 203/212). Instadas as partes a esclarecer se pretendiam produzir mais provas, apenas o autor se manifestou positivamente, insistindo na realização de prova oral e juntando recortes de jornal (fls. 216, 218/221). Realizou-se audiência de instrução e julgamento, com oitiva de duas testemunhas arroladas pelo autor (fls. 235/238). As partes ofertaram memoriais, analisando as provas produzidas, ratificando suas respectivas teses (fls. 240/246 e 247). É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Sem embargo de abalizadas opiniões em sentido contrário, entendo que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário em sua função jurisdicional, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. É, em outras palavras, excepcional. Esse vem sendo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como se observa ao longo dos tempos, nos votos de relatoria dos Ministros Orosimbo Nonato (RE nº 15.755, 1950); Antonio Villas Boas (RTJ 8/193, Ementário 374/889); Moreira Alves (RE nº 111.609-9-AM); Ilmar Galvão (RE 219.117-PR, 1999), Carlos Velloso (RE nº 228.035 AgR-SC, 10/02/2004; Ag.Reg. no RE 429.518-1-SC ). Na doutrina, merece realce o escólio de Caio Mário da Silva Pereira: “Da análise desses conceitos, que parecem desencontrados, porém na verdade são subordinados a uma tônica de certo modo uniforme, força é concluir que o fato jurisdicional regular não gera responsabilidade civil do juiz, e, portanto a ele é imune o Estado. Daí a sentença de Aguiar Dias, que bem o resume, ao dizer que, segundo a doutrina corrente, os atos derivados da função jurisdicional ‘não empenham a responsabilidade do Estado, salvo as exceções expressamente estabelecidas em lei’ (‘Da Responsabilidade Civil’, vol. 2, n° 214)” “Responsabilidade Civil”, 3ª ed., Forense, 1992, p. 141. No mesmo diapasão, a lição de Hely Lopes Meirelles: “Para os atos administrativos, já vimos que a regra constitucional é a responsabilidade objetiva da Administração. Mas, quanto aos atos legislativos e judiciais, a Fazenda Pública só responde mediante a comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira ilegítima e lesiva. Essa distinção resulta do próprio texto constitucional, que só se refere aos agentes administrativos (servidores), sem aludir aos agentes políticos (parlamentares e magistrados), que não são servidores da Administração Pública, mas sim membros de Poderes de Estado (…). O ato judicial típico que é a sentença ou decisão enseja responsabilidade civil da Fazenda Pública nas hipóteses do art 5º, LXXV, da CF/88. Nos demais casos, tem prevalecido no STF o entendimento de que ela não se aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro judiciário não ocorre quando a decisão judicial está suficientemente fundamentada e obediente aos pressupostos que a autorizam” (“Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros Editores, 37ª edição, págs. 707/708). E os casos em que se dá tal responsabilização encontram-se no artigo 133 do CPC (responsabilidade pessoal do juiz nas hipóteses de comportamento doloso ou fraudulento e de recusa, omissão ou demora injustificadas da prestação jurisdicional), 630 do CPP (previsão de indenização em caso de erro ou injustiça da condenação, reconhecidos em revisão criminal), e, agora, no artigo 5º, LXXV, da Constituição Federal de 1988 (indenização ao condenado por erro judiciário, e ao que ficar preso além do tempo fixado na sentença”), cabendo apenas realçar que a responsabilidade do Estado por erro judiciário e prisão indevida está prevista nos dois últimos dispositivos citados, enquanto, no primeiro, tem previsão a responsabilidade civil pessoal do magistrado, a qual se restringe à hipótese de dolo (já que a fraude encontra-se inserida nesse mesmo conceito), no que se afasta, tal responsabilidade, da regra geral do artigo 186 do Código Civil, que se contenta com o mero agir culposo. Esse é o entendimento esposado por Rui Stoco (“Tratado e Responsabilidade Civil”, 7ª edição atualizada, p. 1048), que, revendo posicionamento anterior, sustenta que o agir apenas culposo do magistrado “é insuficiente para empenhar a responsabilidade civil do Estado e do próprio juiz, pois deu-se-lhe tratamento especial (…)”, ponto em que rebate o entendimento de Nelson Nery Júnior, de que “o ato jurisdicional danoso, praticado com culpa, embora não enseje ao juiz o dever de indenizar, pode acarretar, em tese, esse dever para o Poder Público”. Frisa o ilustre autor: “O julgador não se posta em condição parelha ao agente público da Administração Pública, nem pode responder por ‘error in judicando’, senão e apenas por ‘error in procedendo’. Sua convicção íntima e o entendimento exposto no exame da causa não se prestam à crítica, mas apenas aos recursos previstos na legislação de regência. Essa convicção para julgar é impenetrável e imune à crítica ou ao juízo de valor fora dos autos, submetendo-se apenas à reforma da decisão por instância outra. Resulta dessas proposições que nem o Estado, nem o magistrado respondem por ‘error in judicando’, ou seja, em razão do julgamento injurídico ou equivocado ou que venha a ser modificado pela instância superior. Também não há falar em responsabilidade objetiva do Estado em casos tais (…) posto que o resguardo da função jurisdicional, a dignidade da Justiça, a garantia da independência dos poderes e a força do trânsito em julgado da sentença sobrepõem-se a qualquer outro interesse individual” (ob. cit., pp. 1070/1071). No mesmo sentido, colhe-se o seguinte julgado: “Ementa: I – Responsabilidade civil do Estado. Indenização por dano moral. Erro judiciário. Inocorrência. II – Os erros do Juiz ou do Judiciário, mesmo quando não culposos não geram, por si só, responsabilidade civil do Estado, pois o dano indenizável deve provir de dolo, fraude ou culpa gravíssima dos agentes responsáveis pela sua apuração, imputação e julgamento. A escusabilidade política do Juiz e do Estado na prestação errônea dessa função essencial ainda é maior, se a própria parte não diligencia na evitação do ato e seus efeitos. III – Assim, inexiste responsabilidade em face de danos causados por atos de ‘persecutio criminis’, de imputação ou julgamento quando o perseguido vem a ser absolvido por falta de provas ou sua participação na infração penal, pois tanto a decretação da prisão preventiva como a admissibilidade da denúncia repousam em juízo provisório da prática delituosa, de todo legítimo. IV – Sentença de improcedência. Recurso improvido” (Apelação Cível com Revisão n° 154.999.5/5-00, j. 18/10/2004, Relator Desembargador Sérgio Guerrieri Rezende). Expressa o artigo 5º, LXXV da Constituição Federal: “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Sobre o erro judiciário, ensinava Aguiar Dias: “ordinariamente, considera-se erro judiciário a sentença criminal de condenação injusta. Em sentido mais amplo, a definição alcança, também, a prisão preventiva injustificada” (“Da Responsabilidade Civil”, Forense, 6ª edição, p., 327). Atualmente, é de ser ainda mais dilargado o conceito da prisão injustificada. Com efeito. Comentando o escólio acima, e à vista do preceito constitucional acima citado, sustenta Rui Stoco: “Nada justifica hoje excluir da possibilidade de erro, no sentido genérico a que se refere a Carta Magna, qualquer tipo de prisão, seja definitiva, decorrente de sentença, seja, ainda, preventiva, cautelar ou provisória” (ob. cit., p. 1048). “A prisão indevida é causa de reparação tal como o é o excesso na prisão, seja cautelar ou decorrente de sentença condenatória com trânsito em julgado, ou o erro judiciário propriamente dito” (ob. cit., p. 1074). Por outro lado, pondera: “Portanto, o só fato de a ação penal proposta pelo Estado (através do Ministério Público ou querelante) contra determinada pessoa ter sido julgada improcedente não gera a obrigação de quem propôs a ação de indenizar o acusado. Apenas quando comprovado o erro judiciário ou a atuação com dolo ou má-fé do dominus litis é que se poderá falar em reparação” (idem, p. 1055). Relativamente à prisão provisória, cabe citar, no mesmo diapasão, o entendimento expresso no RE 219.117-PR, Relator Ministro Ilmar Galvão, já citado: “Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário C.F., art. 5º, LXXV mesmo que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido.” Nesse mesmo sentido, confira-se ainda o REsp. nº 911641, j. 07/05/2009, Relator Ministra Eliana Calmon: “Esta corte tem firmado o entendimento de que a prisão preventiva, devidamente fundamentada e nos limites legais, inclusive temporal, não gera o direito à indenização em face da posterior absolvição por ausência de provas”. Confira-se ainda: “É certo que os indícios não foram suficientes para condenação por crime de tráfico de entorpecentes, o que resultou na desclassificação para o crime do art.16 da Lei 6.368/76, mas foram suficientes para a prisão em flagrante que não pode ser considerada ilegal apenas porque, depois, não ficou provada a acusação. As decisões de indeferimento do relaxamento do flagrante e do indeferimento da liberdade provisória estão fundamentadas e o rigor maior ou menor do juiz está justificado. 3. Fundamentadas todas as decisões, não houve qualquer ilegalidade, abuso de poder, ou erro judiciário, a justificar indenização. A melhor doutrina vem ensinando que a responsabilidade civil do Estado só é ‘objetiva em relação aos atos administrativos, sendo sempre necessária a demonstração de culpa ou dolo do agente, quanto o ato causador do dano for judicial ou legislativo, expressões do poder soberano do Estado. A obra Direito Administrativo Brasileiro de HELY LOPES MEIRELLES, contém a seguinte lição: ‘Para os atos administrativos, já vimos que a regra constitucional é a responsabilidade objetiva da Administração. Mas, quanto aos ‘atos legislativos’ e ‘judiciais’, a Fazenda Pública só responde mediante a comprovação de culpa manifesta na sua expedição, de maneira ilegítima e lesiva. Essa distinção resulta do próprio texto constitucional, que só se refere aos ‘agentes administrativos’ (servidores), sem aludir aos ‘agentes políticos’ (parlamentares e magistrados), que não são ‘servidores’ da Administração Pública, mas sim membros de Poderes do Estado.” (página 591). No mesmo sentido os julgados deste Tribunal de Justiça publicados nas JTJ Lex nºs 214/84, 220/69 e 226/120. A simples absolvição por insuficiência de provas não torna a prisão anterior, eivada do vício da ilegalidade, ou realizada em excesso, nem a transforma em erro judiciário. Com efeito, a análise de legalidade da prisão e de ausência de erro judiciário na sua determinação só pode ser feita em função dos requisitos legais e dos indícios, existentes quando determinada. Assim não fosse, todo e qualquer processo criminal poderia ser considerado abusivo ou fruto de erro judiciário sempre que terminasse em absolvição por insuficiência de provas. Justamente por esta razão é que a Constituição Federal, em seu art.5º, inciso LXXV, só permite a indenização de prejuízo decorrente de ato judicial nas hipóteses da condenação por erro judiciário e da prisão com excesso do tempo determinado na sentença, distanciando-se da responsabilidade objetiva genérica do seu art.37, par.6º, voltada exclusivamente para os atos administrativos, o que é indiscutível, uma vez que se trata de disposição inserida no Capítulo VII, entitulado Da Administração Pública”. (Apelação nº 0131843-50.2007.8.26.0000, Relatora Desembargadora Teresa Ramos Marques). Com efeito, é de se ter em conta que o conceito de erro judiciário não há de ser banalizado. Confira-se, no particular, a lição de Rui Stoco (ob. cit., p. 1077 e 1079): “Portanto, também nos filiamos à corrente doutrinária que defende a necessidade de desconstituição e cessação dos efeitos do julgado de que não caiba mais recurso, através da revisão criminal, como condição fundamental para o reconhecimento do erro judiciário e a declaração do dever de indenizar do Estado (…). Em outras palavras, ‘a obrigação de indenizar se torna certa depois que o Tribunal, concedendo a revisão, reconhece ao condenado o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos’ (CPP, art. 630, caput) (José Frederico Marques. Elementos de Direito Processual Penal. 2. Ed. Campinas: Millenium Editora, 2000, v. 4, p. 428) (…). Constitui equívoco o ingresso com ação ordinária de conhecimento no Juízo Cível, visando o reconhecimento e a declaração de erro judiciário para fim de reparação civil. A esse juízo falta competência para afirmar o erro judiciário e, como consequência, reconhecer o direito à justa indenização”. Adotando igual posicionamento, ensina Carlos Roberto Gonçalves: “Tem-se decidido que a ‘configuração de erro judiciário, para efeito de indenização, não se compatibiliza com a absolvição pela inexistência de prova suficiente para condenação. Decisão com o suporte processual do art. 386, VI, do CPP, não é demonstrativa da certeza da inocência do réu. É técnica processual que se apóia na dúvida, em que prefere o erro judiciário que desfavorece a sociedade ao erro judiciário que ofenda o denunciado’ (TJRS, Embs. 597.222.652-Capital, Rel. Des. Tupinambá M.C. do Nascimento, j. 5-3-1999).” (Responsabilidade Civil, Editora Saraiva, 8ª edição, p. 212). Na jurisprudência, colhe-se o seguinte julgado: “INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS Responsabilidade do Estado – Inexistência – A absolvição em processo criminal não dá motivo, por si só, à indenização por danos morais – Precedentes da Suprema Corte: ‘O decreto judicial de prisão preventiva, quando suficientemente fundamentado e obediente aos pressupostos que a autorizam, não se confundem com o erro judiciário a que alude o inciso LXXV do art. 5º da Constituição da República, mesmo que o réu ao final do processo venha a ser absolvido ou tenha sua sentença condenatória reformada na instância superior – Recurso não provido.'” (Apelação Com Revisão 8081665600, Peiretti de Godoy, 13ª Câmara de Direito Público, j. 01/04/2009) No caso, o que se questiona é decisão que indeferiu pedido de liberdade provisória (fls. 61), a qual veio a ser, posteriormente, desconstituída por decisão proferida em “habeas corpus” (fls. 144/145 ). Do que se analisou, vê-se que a hipótese não se amolda à do erro judiciário. Por outro lado, sem embargo do entendimento manifestado no v. acórdão acima citado, o qual anulou a decisão singular de fls. 61 por vício de fundamentação, o fato é que tal decisão de primeiro grau não se afigurou teratológica, ou completamente destituída de fundamentação, ou ainda limitada à afirmação da gravidade genérica do delito, pois consignou: “A propósito, tendo sido o indiciado Lucas preso em flagrante delito pela prática de roubo qualificado, então os depoimentos insertos no auto de prisão servem para a indicação do ‘fumus boni juris’ (…) é certo que a ele foi imputada prática de delito grave e de caráter violento, valendo-se de comparsaria de sujeitos munidos de arma de fogo (…) indefiro, pois, o pedido de liberdade nesse momento processual, nada impedindo que, com a evolução procedimental, seja revisto o entendimento pela alteração da matéria fática a ser conhecida”. A ilustre Magistrada, com se vê, não se limitou a argumentar com a gravidade genérica do delito. Ainda que não expressa em todas as letras, há, em tal decisão, uma afirmação de periculosidade do denunciado, coerente com a participação que se lhe atribuía em violento delito. Nessas circunstâncias, não é de se reconhecer direito a qualquer reparação. Confira-se, sobre hipótese semelhante à dos autos, o julgado proferido na Apelação Cível nº 266.684-5/0, Relator Desembargador Luís Ganzerla, j. 03/03/2008: RESPONSABILIDADE CIVIL – Indenização – Decretação de prisão civil, por débito alimentício, julgada insubsistente em Segunda Instância – Insuficiência para indenização por dano moral Falta de previsão legal – A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juizes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei, conforme precedentes do STF Assim, a cassação, ‘em habeas corpus’, de decreto de prisão civil de devedor por alimentos, considerado não devidamente fundamentado é insuficiente para a concessão de indenização em favor do devedor-alimentante, exatamente por não se tratar de caso expressamente declarado em lei. (…) E, ‘data vênia’, apesar do entendimento lavrado no julgamento do ‘habeas corpus’ noticiado, culminando com a anulação da decisão por falta de fundamentação, constou, expressamente, que ‘…o devedor não efetuou o pagamento, não provou que o fez, nem justificou satisfatoriamente a impossibilidade de fazê-lo’ (…). Assim, a concessão da ordem de ‘habeas corpus’, registre-se, é insuficiente, ‘in casu’, para a obtenção de indenização, mesmo porque a decisão questionada foi lavrada dentro de parâmetros legais e normais, nada tendo de teratológica, dando-se, normalmente, a cassação em segundo grau, inexistindo texto legal a autorizar, em casos tais, a pretensão inicial”. À vista do analisado, não merece acolhida a tese de direito à indenização por falta de fundamentação da decisão. Resta analisar o caso, à luz da alegação de prisão excessiva. A Emenda 45/04 (Reforma do Judiciário) incluiu no artigo 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, cuja redação é a seguinte: “LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Para muitos, a exemplo de Alexandre de Moraes (“Constituição do Brasil Interpretada”, 8ª edição atualizada até a EC 67/10, p. 410), a razoável duração do processo e a celeridade processual já estavam compreendidas no texto constitucional, “seja na consagração do princípio do devido processo legal, seja na previsão do princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (CF, art. 37, caput)”. Com sua expressa inclusão no texto constitucional, a razoável duração do processo “passou a ser direito subjetivo e garantia fundamental” (Rui Stoco, ob. cit., p. 1082). O mesmo autor ensina (ob. cit., pp. 1084/1085): “A tardia entrega da prestação jurisdicional, ou seja, a demora no julgamento definitivo das causas submetidas ao Poder Judiciário, quando injustificada, decorrente de falha, descaso ou indolência, traduz, sem possibilidade de diceptação, má atuação do Judiciário. (…) A omissão in genere, ou seja, o retardamento, o não-julgamento no prazo e tempo devidos constitui a chamada faute du service dos franceses, a falha ou falta anônima da atividade estatal, que empenha a responsabilidade subjetiva, escorada no dolo ou culpa. (…) Em resumo, a ausência do serviço causada pelo seu funcionamento defeituoso e não em face da atuação das partes ou pela demora decorrente de circunstâncias absolutamente alheias à vontade de que preside o processo -, mas até mesmo pelo retardamento injustificado do juízo, é quantum satis para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em desfavor dos jurisdicionados. (…) E dúvida não ressuma de que o art. 5º, LXXVIII, estabeleceu o princípio da razoável duração do processo, mas não criou responsabilidade objetiva do Estado, pois, embora a demora não tenha sido razoável, ainda assim impõe-se identificar as causas do retardamento. Havendo justificativa ou se o excesso na duração decorreu de circunstâncias alheias ao aparelhamento estatal, sem que se identifique omissão ou desídia dos servidores, do julgador ou do Tribunal, não há como impor ao Estado o ônus de reparar por aquilo que não deu causa.”. Em outras palavras, o elemento temporal não tem valor absoluto; deve ser avaliado segundo as circunstâncias do caso concreto. A jurisprudência trilha o mesmo entendimento: “O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em v. aresto lançado no julgamento do Habeas Corpus n.° 896 – DF, relatado pelo d. Ministro Vicente Cernicchiaro, já assentou: ‘O direito, como fato cultural, é fenômeno histórico. As normas jurídicas devem ser interpretadas consoante o significado dos acontecimentos, que, por sua vez, constituem a causa da relação jurídica. O Código de Processo Penal data do início da década de quarenta. O país mudou sensivelmente. A complexidade da conclusão dos inquéritos policiais e a dificuldade da instrução criminal são cada vez maiores. O prazo de conclusão não pode resultar de mera soma aritmética. Faz-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo. O discurso judicial não é simples raciocínio de lógica formal’. É preciso ficar claro que não é exclusivamente o tempo da tramitação do feito que pode ensejar o reconhecimento do constrangimento. Ele deve decorrer, também, de outros fatores, dentre eles o descaso do Juiz, que pode ser reconhecido, por exemplo, na demora injustificada na designação de audiências, quando há espaço na pauta para antecipação do ato, e na prática de diligências desnecessárias. Aliás, ‘o prazo para ultimar a instrução, no processo-crime, é um parâmetro a sinalizar o tempo razoável de duração da ação penal. Não é um lapso peremptório e fatal, cuja superação venha a gerar automática liberação do encarcerado. Há outros valores a serem considerados e eles podem justificar a preservação da custódia do paciente’ (H. Corpus n.° 330.870-4 – São Bernardo do Campo – Relator Juiz RENATO NALINI).” – Habeas Corpus n° 990.10.134174-3 e 990.10.134179-4 , Relator Desembargador Renato Nalini, j. 27/05/2010. Pois bem, o autor foi preso em 2 de janeiro de 2007 (fls. 35); deduziu em 04/01/2007 pedido de liberdade provisória (fls. 49), indeferido no mesmo dia (fls. 61); a denúncia foi recebida em 29 de janeiro de 2007 (fls. 66); foi interrogado em 21/2/2007, quando ausentes os demais corréus, em razão de “greve branca” organizada pelo PCC (fls. 9, c.c. fls. 68 e 81); reiterou em 14/3/2007 o pedido de liberdade provisória, com argumentos relativos ao preenchimento dos requisitos legais para tanto, argumentando ainda estar em risco na prisão, por não haver aderido ao momento carcerário (fls. 73); pedido esse indeferido em 14 de março de 2007, quando o MM. Juiz afirmou que “o excesso de prazo na instrução do feito decorre da aderência do réu ao movimento carcerário, ou seja, a culpa pela demora é dele mesmo, sendo que cabe à autoridade competente zelar por sua integridade física” (fls. 82); em 18 de abril de 2007 foi decretada a revelia dos corréus e designado o dia 7 de maio para o interrogatório (fls. 85); acatou-se pedido de interrogatório feito por um dos corréus, sem prejuízo da audiência designada (fls. 87); a audiência foi redesignada para 04 de junho de 2007, a pedido da defesa de corréu que não fora requisitado (fls. 89); a prova oral acusatória teve início em 23 de julho de 2007 (não há nestes autos notícias do que aconteceu com a audiência designada para 4 de junho de 2007, sendo indeferido, em tal oportunidade, novo pedido de liberdade provisória, este com expressa alegação de excesso de prazo (fls. 100/102); em 18 de dezembro de 2007 foi encerrada a instrução, passando-se à fase dos artigos 499 e 500 do CPP (fls. 120/121); em 27 de fevereiro de 2008 foi proferida a sentença (fls. 126/139); expedindo-se, na mesma data, o alvará de soltura (fls. 506). Observa-se que o acórdão do STJ que anulou o decreto prisional por falta de fundamentação é datado de 11 de março de 2008 (fls. 142). Do que foi analisado, vê-se que a instrução levou mais de onze meses para ser encerrada, tendo o autor permanecido preso por mais de um ano, tempo bem superior ao razoável, nas condições do caso concreto, que não se revestia de excepcional complexidade, e em que não se identificaram, ao menos por parte do ora autor, manobras protelatórias suficientes para elidir a responsabilidade estatal, não se verificando razões para que a marcha processual não tivesse sido mais célere, ainda que, para tanto, o feito tivesse que ser desmembrado. Nessas condições, tenho por caracterizada a responsabilidade estatal, por falha do serviço ou culpa anônima do serviço. Nesse sentido: “Diz a jurisprudência dominante importar constrangimento ilegal o excesso injustificado do prazo de 81 dias para encerramento da instrução criminal, durante o qual deve estar, ao menos, concluída a tomada da prova do acusador. Quando excedido sensivelmente esse prazo, notório que a privação injusta da liberdade acarreta sequelas de índole moral, subjacentes ao sofrimento, à angústia, e à sensação de revolta associada à impossibilidade de, pelas próprias mãos, se fazer frente à injustiça vivida. É o suficiente para estabelecer o liame de causalidade autorizante da concessão da reparação pretendida” (TJSP, Apelação 24.794-5, Relator Desembargador Coimbra Schimidt, j. 09/11/98). Resta a análise das postulações. O dano moral, como se viu, é irretorquível. A prisão indevida ou excessiva é um dos mais emblemáticos exemplos de dano moral, tais os abalos que produz na psique do encarcerado, afastado da família, da sociedade, impedido de concretizar seus projetos, recolhido a ambiente sabidamente nefasto. A indenização, entretanto, é de ser fixada com moderação, dadas as peculiares condições do ente público, a repercutirem num dos pilares do binômio “compensação/punição”, próprio desse capítulo da responsabilidade civil (indenização por dano moral), em que se busca o equilíbrio suficiente para, de um lado, desencorajar o ofensor a repetir ações e/ou omissões passíveis de causar prejuízo a outrem, e que, em contrapartida, se mostre suficiente para a compensar o ofendido. Confira-se: “O Estado não é um ente inanimado. Anima-o, move-o o povo, os que labutam, os que trabalham, também. Os ressarcimentos que Ele paga decorrem da produção de outros trabalhadores, de qualquer seara, mas trabalhadores. A imprudência, negligência ou imperícia da Administração, infelizmente traz conseqüências aos cidadãos e trabalhadores. Por isso, o ressarcimento por uma vítima tange centenas de outras. A moderação é devida e, neste quadro, vê-se afastada a hipótese do pedido de manutenção de 1.800 salários mínimos, …quantia atingida, no labor, por pouquíssimos brasileiros, e como já dito, não visa a indenização por danos morais, remunerar a dor da perda de um ente querido – infinita – mas prestar alguma satisfação aos autores. Outorgar muito é punir, quiçá, milhões de brasileiros famintos e necessitados de toda sorte de atendimento, inclusive de segurança pública” (Apelação Cível 258.177-1/8-SP, Rel. Des. Afonso Faro, 6ª Câmara de Direito Público, j. 16.9.96). Feitas essas considerações, tenho que o valor de R$10.000,00 se mostra razoável para a reparação do dano moral, no caso concreto. Passo aos pedidos de reparação por dano material. Embora comprovados os gastos com matrícula (fls. 156/157), tal verba não é de ser reembolsada ao autor, uma vez que a parcela legal de sua prisão (aquela até a caracterização do excesso de prazo) já o impediria de frequentar o curso. O mesmo se aplica aos gastos com correio, comprovados a fls. 163 (R$12,50). Os gastos relacionados no documento de fls. 164 não estão comprovadamente relacionados ao autor, pois as patologias noticiadas nos autos são aparentemente posteriores (fls. 159); não há, por outro lado, comprovantes de gastos com os medicamentos relacionados a fls. 158, que deram entrada na prisão em junho de 2007, e que não são os mesmos objeto da prescrição de fls. 161. Já os gastos com dentista, no total de R$1.590,00, devem ser reembolsados, uma vez suficientemente comprovada a relação entre os problemas dentários e a impossibilidade de adequado tratamento, isso já no período de prisão excessiva (declaração de fls. 159, c.c. documentos de fls. 150/152). Em suma, a condenação se limita ao dano moral (R$10.000,00) e, no que respeita aos danos materiais, ao valor de R$1.602,50 a primeira corrigida a partir desta decisão, e a segunda, a partir do ajuizamento da ação. Consigno, por fim, não se aplicar ao caso o artigo 5º da Lei nº 11.960, de 29 de junho de 2009, porquanto a mencionada lei não regula questões de direito processual e sim material, de modo que suas disposições não devem ser aplicadas aos processos já em andamento, mas somente às ações que vierem a ser propostas a partir de sua publicação. POSTO ISSO, julgo procedente em sua maior parte a ação, para condenar a ré a pagar ao autor, para reparação do dano moral, a quantia de R$10.000,00, corrigida a partir desta decisão, e para reparação do dano material, a quantia de R$1.602,50, corrigida a partir do ajuizamento da ação, ambas acrescidas de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (Súmula 54 do STJ). Diante da sucumbência mínima da parte autora, condeno ainda a demandada ao pagamento de honorários ao patrono da parte contrária, os quais arbitro, à vista do trabalho realizado, valor e complexidade da causa, em 15% do total da condenação atualizada. Deixo de condenar a ré ao pagamento das custas processuais, em razão da isenção prevista no artigo 6º, da Lei nº 11.608/03, bem como de determinar a remessa destes autos para o reexame necessário, nos termos do artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil. (Processo 0013153-28.2009.8.26.0506 – 2º Anexo Fiscal de Ribeirão Preto – SP.